Roubo de cargas contribui para finanças do tráfico
Em quatro anos, o registro desse tipo de assalto teve um aumento de 154%; é pelo menos um ataque por hora, em escalada que a polícia atribui a grupos do crime organizado. Salvo por um período, não muito curto, mas de qualquer forma delimitado no tempo — entre as décadas de 1990 e 2000 —, quando apostou no roubo de carros, revendidos no Paraguai, para financiar a compra de armas, as quadrilhas de traficantes do Rio de Janeiro costumam manter um perfil de “negócios” monocromático. A venda de drogas, feita em locais de distribuição em larga escala ou através de seus próprios “pontos”, tem se mantido como o carro-chefe dos lucros dessa vertente do crime organizado.Mas, em face de um mercado que, mesmo clandestino, não escapa aos efeitos de uma crise econômica que também se reflete no seu caixa, e igualmente em razão da concorrência de grupos de outros estados que migram para favelas fluminenses, o tráfico do Rio de Janeiro parece apostar agora na diversificação de ações.
É uma experiência espelhada nos meios de financiamento de seus rivais milicianos, uma alternativa para manter o faturamento em alta.Reportagem de ontem do GLOBO dá números a uma dessas atividades paralelas — o roubo de cargas. Em quatro anos, esse tipo de crime teve um aumento de 154%. Em 2013, a polícia registrou cerca de 3,5 mil ataques de quadrilhas a caminhões de transporte de mercadorias. Este ano, os boletins de ocorrência devem chegar a 9 mil. São 30 assaltos por dia, mais de um por hora no Estado do Rio.
A maioria ocorre na Região Metropolitana, onde se concentram favelas e comunidades subjugadas pelo crime organizado. A polícia fluminense não tem dúvida de que nesse movimento está a mão do tráfico.A questão criminal em si desse tipo de roubo é, por óbvio, o aspecto mais deletério da escalada. Crimes, com maior ou menor gravidade, sempre demandam algum tipo de contencioso para a sociedade. Mas também inquietantes são as consequências indiretas dessas ações. Reflexos do aumento do roubo de carga atingem, por exemplo, a economia do município de São José do Vale do Rio Preto, na Região Serrana: o escoamento de sua produção viária, quase toda ela voltada para abastecer , via caminhões, a capital, está comprometido pelos seguidos assaltos aos veículos de transporte. A entrega de mercadorias, em especial as que saem de outros estados, também é uma atividade prejudicada.São aspectos da atuação do crime organizado que reforçam a necessidade de uma linha de ações integradas para combatê-lo. Isso envolve programas comuns entre municípios, estados e a União — pressuposto óbvio, mas que, apesar de abraçado pelos poderes públicos, pouco sai do papel. Inclui também uma revisão interdisciplinar, com mudanças na legislação (descriminalização das drogas, e, como uma das decorrências desta, o aperfeiçoamento da política penitenciária), controle de fronteiras e modernização dos protocolos de combate ao crime em geral.